Um toco de árvore na Nova Zelândia está muito vivo, graças a um sistema radicular interconectado que beneficia tanto o tronco como as árvores vizinhas. Os cientistas dizem que esse arranjo simbiótico incomum pode mudar nossa própria concepção do que significa ser uma árvore.
Nós tendemos a pensar em árvores como indivíduos, mas as raízes de algumas espécies se fundem para permitir o compartilhamento de recursos, como água, carbono, nutrientes minerais e microorganismos.
Em algumas ocasiões, esses elaborados sistemas radiculares envolvem um tronco de árvore aparentemente morto, uma observação feita pela primeira vez na década de 1830. Por que as árvores vivas devem gastar recursos para sustentar outras sem folhas não é totalmente compreendido, nem a extensão em que os recursos são compartilhados entre árvores vivas e tocos.
Uma nova pesquisa publicada na iScience lança nova luz sobre este peculiar arranjo arbóreo, devido à descoberta de um tôco de kauri vivo (Agathis australis) em uma floresta da Nova Zelândia.
Os autores do novo estudo, Sebastian Leuzinger e Martin Bader, da Universidade de Tecnologia de Auckland, dizem que a descoberta aponta para uma relação anteriormente desconhecida entre árvores vivas e troncos de árvores aparentemente mortos. As interações fisiológicas entre árvores vivas e tocos, escrevem no estudo, “podem ser muito mais complexas do que se supunha anteriormente”.
Leuzinger e Bader tropeçaram no tronco enquanto saíam para uma caminhada. O toco de madeira chamou sua atenção porque o tecido caloso podia ser visto crescendo sobre suas partes mortas e apodrecidas. Também produzia seiva, o que indicava a presença de tecido vivo. Isso levou a uma investigação mais aprofundada em que os pesquisadores mediram a água que flui através dos tecidos do tôco e também a taxa de respiração, que correspondia aos observados nas árvores ao redor.
“Nós medimos o fluxo de água com sensores de fluxo de seiva com relação ao calor”, disse Leuzinger. “Eles detectam o movimento da água no tecido enviando pequenos pulsos de calor e medindo a rapidez com que o calor se dissipa”.
Essas medições indicaram que o tôco de kauri fica inativo durante o dia quando as árvores vivas transpiram. Mas durante a noite e em dias chuvosos, o toco de árvore torna-se ativo, circulando água – e presumivelmente carbono e nutrientes – através de seus tecidos. Como os autores escrevem no novo estudo, esses resultados indicam que tais simbioses podem ser muito mais complexas do que se supunha anteriormente.
Por si só, um tôco não pode executar essas funções. As árvores precisam de folhas para troca de gás e fotossíntese, o que permite a produção de carboidratos. Sem carboidratos, árvores e plantas não têm energia e blocos de construção necessários para o crescimento. Mas esse tronco de kauri sem folhas está muito vivo, suas raízes enxertadas nas de seus vizinhos vivos.
Esses enxertos acontecem quando uma árvore detecta um tecido radicular biocompatível nas proximidades, permitindo “acoplamento hidráulico”. Nesse caso, os enxertos provavelmente se formaram antes do tôco perder a folhagem verde, mas os pesquisadores não têm certeza absoluta.
Para o tôco, as vantagens desse arranjo são óbvias – ele consegue se manter vivo apesar de não ser capaz de produzir carboidratos. Mas, como os autores apontam no estudo, esse arranjo pode na verdade ser de natureza simbiótica.
Juntas, por exemplo, as árvores vivas melhoraram o acesso a recursos como água e nutrientes. Essa configuração também aumenta a estabilidade das árvores na encosta íngreme da floresta, com as raízes firmes e saudáveis trabalhando para evitar a erosão. No lado negativo, essas conexões radiculares podem facilitar a propagação de doenças, como o dieback kauri (Phytophthora agathidicida).
Um tronco de árvore a esquerda se agarra a vida em uma floresta da Nova Zelândia. Cientistas descobriram que ele está sugando nutrientes dessa árvore da direita. Essas duas árvores podem fazer parte de um “superorganismo” de raízes conectadas que abrange grande parte da floresta.
Créditos da foto: Sebastian Leuzinger / iScience
Tudo isso dito, os “mecanismos exatos e o benefício evolutivo disso só podem ser especulados por enquanto”, disse Leuzinger. Mais trabalho é necessário, como os próprios autores admitem no estudo:
“Claramente, apenas ter observado um único tronco vivo de kauri nos impede de tirar conclusões mais amplas. Embora pessoalmente ainda não tenhamos visto uma segunda ocorrência de um tôco vivo pertencente a esta icônica espécie da Nova Zelândia, sabemos que esse fenômeno aparentemente foi notado no passado e a formação de enxertos de raízes naturais em kauri já é suspeita há 80 anos.”
Os pesquisadores dizem que essa interação surpreendentemente complexa entre árvores vivas e troncos pode mudar nossa percepção das árvores.
“Se o transporte lateral de água entre as árvores revelar-se um fenômeno comum, temos que repensar nossa definição de ‘árvore'”, disse Leuzinger. “Na verdade, podemos estar vendo as florestas como superorganismos que redistribuem a água entre indivíduos geneticamente diferentes”.