Por que a maioria é destra, mas prefere o olho esquerdo?

por Lucas
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Quer você seja destro, canhoto ou ambidestro, a “lateralidade” molda nossa identidade. Mas sabia que nossos vieses não param por aí? Eles vão além das nossas mãos, influenciando como vemos o mundo e interagimos com ele, e isso não é apenas coisa de humanos. Na verdade, esses vieses são encontrados em muitas espécies animais e podem ter benefícios surpreendentes.

Os humanos apresentam uma esmagadora maioria de 90% de destros em várias culturas. Mas nossos vieses não se limitam às nossas mãos. Também temos um forte viés populacional em reconhecer rostos e emoções, muitas vezes processando-os melhor quando aparecem no nosso campo visual esquerdo. Isso não é aleatório. Começa na infância e está ligado a como nosso cérebro é estruturado: os hemisférios esquerdo e direito do nosso cérebro controlam os lados opostos do corpo. Se seu campo visual esquerdo é dominante, isso significa que o hemisfério direito do seu cérebro assume o controle no reconhecimento de rostos e emoções.

Por muito tempo, cientistas pensaram que esses vieses comportamentais eram exclusivos dos humanos. Surpresa! Eles não são. Décadas de pesquisa revelam que muitos animais também têm esses vieses. Pegue os pintinhos, por exemplo. Aqueles que bicam comida com um viés ocular específico são melhores em distinguir grãos de pedrinhas. Além disso, pintinhos que usam um olho para observar predadores têm menos chances de virar jantar em comparação com aqueles sem esses vieses.

Animais com esses vieses tendem a se destacar em tarefas relacionadas à sobrevivência. É simples: eles são melhores em encontrar comida e se manterem seguros. Os multitarefas definitivos, alguns pintinhos mantêm um olho no chão em busca de comida e o outro no céu em busca de ameaças. Esse “cérebro dividido” permite que os animais realizem tarefas diferentes simultaneamente sem se confundirem.

Mas por que esses vieses existem em primeiro lugar? Pesquisas sugerem que os vieses nos hemisférios do cérebro evoluíram para permitir que os dois lados do cérebro controlem comportamentos diferentes simultaneamente, evitando confusões. Se ambos os lados do cérebro tivessem a mesma influência sobre funções críticas, os animais poderiam se ver presos entre duas ações incompatíveis. Esses vieses liberam alguma capacidade neural, tornando os animais mais eficientes em suas tarefas críticas.

Interessantemente, não é a direção do viés (esquerda ou direita) que importa para o desempenho, mas simplesmente ter um viés. Ainda assim, isso não explica por que tantas pessoas são destras para tarefas e têm um viés de campo visual esquerdo para processar rostos. Dado um 50-50 de chance, você esperaria uma divisão igual, mas a maioria das espécies mostra uma maioria inclinada na mesma direção. Isso sugere que alinhar vieses com os outros do seu grupo pode oferecer uma vantagem social.

Em comportamentos cooperativos como cardumes ou bandos, alinhar-se com o grupo pode diluir a chance de ser capturado por predadores. Desviar-se do grupo e você se torna um alvo fácil. Nos humanos, embora altamente lateralizados independentemente do histórico, sempre há uma minoria significativa com vieses diferentes. Essa variação pode ter suas vantagens também. Por exemplo, a canhotos são frequentemente super-representados em esportes interativos profissionais como críquete e beisebol, possivelmente porque introduzem um elemento de surpresa.

Para aprofundar mais nos vieses comportamentais humanos, cientistas de várias universidades conduziram um estudo com mais de 1.600 participantes de todas as idades e etnias. Eles examinaram como a força e a direção desses vieses se relacionam com desempenho e habilidades sociais. A lateralidade foi medida usando uma tarefa cronometrada de combinação de cores com pinos, e o viés de campo visual foi avaliado através de imagens de rostos expressando emoções.

Acontece que pessoas com vieses moderados de mão (esquerda ou direita) colocaram mais pinos combinados corretamente do que aquelas com vieses fortes ou fracos. Isso sugere que, ao contrário dos animais selvagens, vieses extremos podem limitar nossa flexibilidade de desempenho. A maioria dos participantes tinha um viés padrão: destros para tarefas, viés de campo visual esquerdo para rostos. Mas nem todos se encaixavam nesse padrão.

Os participantes foram agrupados com base em seus vieses de mão e lado visual em uma das quatro categorias: padrão (mão direita, visual esquerdo), direita concentrada (mão direita, visual direito), esquerda concentrada (mão esquerda, visual esquerdo) e invertida (mão esquerda, visual direito). Eles também completaram uma pesquisa avaliando suas dificuldades sociais.

O perfil padrão era comum, encontrado em 53% dos participantes, e não estava ligado a uma vantagem social sobre os grupos concentrados. No entanto, o perfil invertido (12%) estava associado a pontuações sociais significativamente mais baixas. Pessoas nesse grupo eram quatro vezes mais propensas a terem um diagnóstico autodeclarado de autismo ou TDAH.

Embora este estudo não possa confirmar uma ligação causal entre o perfil invertido e condições como autismo ou TDAH, ele abre portas para pesquisas futuras. Cientistas planejam investigar se esses perfis de vieses podem servir como marcadores de risco precoce para tais condições na infância, potencialmente pavimentando o caminho para triagens mais precoces e novas intervenções.

Esta pesquisa nos lembra que nossas peculiaridades comportamentais têm raízes profundas em nossa história evolutiva, grande parte da qual compartilhamos com outros animais. Para realmente entender nossos cérebros e comportamentos modernos, precisamos considerar esse contexto mais amplo. Então, quer seja pintinhos bicando ou nossas preferências de campo visual esquerdo, esses vieses desempenham um papel maior do que imaginamos.

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