Astrobiologia ou Ufologia? Um conflito entre ciência e pseudociência

por Junior
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Geralmente, as pessoas confundem astrobiologia com ufologia, que, por sinal, são áreas completamente distintas que supostamente buscam algo em comum: vida extraterrestre. Pretendo mostrar, a partir deste texto, o quanto o campo ufológico é desnecessário na busca pela vida extraterrestre pela falta de profissionalismo, rigor e cientificidade e a importância que a astrobiologia tem neste proeminente cenário científico.

Ufologia x Astrobiologia: Para começarmos, temos que definir exatamente o que são as duas coisas

Astrobiologia: é o estudo interdisciplinar da origem, evolução e distribuição da vida no universo.
Ufologia: é o estudo hipotético de “objetos voadores não identificados” (OVNIs).
Para explicar melhor o que significa objetos voadores não identificados, temos que olhar com muita atenção para a terminologia grifada em negrito e itálico, pois o problema começa com um erro de interpretação.

Quando observamos algo no céu do qual não conseguimos identificar, passamos a nomear tal objeto como OVNI, porque simplesmente não conseguimos utilizar a nossa experiência para identificar o objeto. O erro acontece quando, ao invés de admitirmos o fato de que não sabemos do que se trata, damos uma explicação absurda para o objeto. É comum encontrar a seguinte alegação:

“Eu vi um OVNI… era impossível que aquele objeto tenha sido controlado por alguma inteligência humana, só podem ser seres extraterrestres.”

O erro não começa quando a pessoa admite que são objetos desconhecidos, mas quando alguém insiste em dar uma explicação baseada em sua crença pessoal. Admitir que algo não tem explicação não é o mesmo que afirmar algo absurdo ou extraordinário.

Ainda, a frase acima recorre a uma anedota (relato de que algo supostamente aconteceu mas não há meio algum de analisar sua veracidade) e ao argumentum ad ignorantiam (argumento da ignorância), no qual o argumentador (um ufólogo, por exemplo) afirma que, por não ter uma explicação plausível para um OVNI, ele automaticamente é de origem extraterrestre. Perceberam a contradição? Se o objeto voador não é identificado, então, não podemos atribuir um significado secundário sem a conclusão da primeira premissa, caso contrário é falácia, e sua alegação não é válida!

Afirmações que não possam testadas, explicações que não possuem caráter verídico, relatos que não podem ser verificados não possuem caráter científico.

Ufologia x Astrobiologia: Profissionalismo

Na astrobiologia, o indivíduo deve ter uma formação acadêmica científica (ou filosófica, se a sua intenção for trabalhar em cima dos problemas epistemológicos e ontológicos da mesma), ou seja, normalmente um processo de graduação acadêmica voltada à pesquisa científica, mas, na ufologia, não existe isso. Qualquer pessoa pode ser ufólogo. Não existe graduação e nem pesquisa acadêmica voltada exclusivamente para o estudo científico de objetos voadores não identificados – quer dizer, até existem algumas áreas que usam a ufologia como objeto de estudo, mas são problemas tratados por quem trabalha em outros campos:

Astronáutica: análise e identificação de objetos voadores supostamente desconhecidos e;
Psicologia: análises e testes psicológicos (estudos comportamentais e neurológicos) de pessoas que alegam haver tido experiências físicas com alienígenas.
No campo ufológico, qualquer pessoa pode levantar a “bandeira” e ganhar fama sem fazer qualquer progresso científico, aliás, sem fazer qualquer estudo rigoroso no campo acadêmico: 1) que consiste em usar metodologia científica; 2) publicar suas descobertas em revistas científicas (de preferência em revistas de alto impacto); 3) submeter sua descoberta a crítica da comunidade acadêmica (intersubjetividade acadêmica) e; 4) ter seu trabalho revisado por pares (peer review) e replicado por outros cientistas da mesma área de atuação. E, diferentemente da ufologia, esse processo rigoroso só ocorre no campo astrobiológico.

Ufologia x Astrobiologia: Rigor

A astrobiologia faz o uso das quatro abordagens que foram citadas acima no desenvolvimento da pesquisa acadêmica, ao passo que a ufologia não possui um método de investigação preciso e objetivo (ou seja, o suposto método científico impregnado por ufólogos varia de uma simples lupa, a um Contador Geiger, às vezes uma luneta ou um binóculo). As conclusões podem ser facilmente derivadas a partir de falsas premissas, erros de interpretações (de relatos a fenômenos naturais), falta de ceticismo científico ou metodológico (dúvida metodológica que condiz com a pesquisa acadêmica), e a busca por uma explicação mais provável na ausência ou presença de evidências (por exemplo, ignorar a explicação mais simples que uma evidência pode fornecer, ou abraçar uma conclusão infundada por falta de uma explicação para um determinado acontecimento ou fenômeno).

Os ufólogos místicos enaltecem mais as experiências dos sentidos do que o suporte tecnológico para análise de dados e evidências (por exemplo, é comum ouvir relatos de abduções extraterrestres de pessoas que alegam estarem em seus próprios quartos e depois de tal atormentadora experiência, acaba não restando uma única evidência capaz de corroborar com a ideia, ao ponto que os estudos psicológicos e neurocientíficos apontariam que a suposta causa para tal acontecimento seria a de que a pessoa provavelmente teve uma Paralisia do Sono).

Astrobiologia: Cientificidade

Apesar dos problemas epistemológicos envolvendo a cientificidade da astrobiologia (extrapolação cósmica da perspectiva evolutiva, por exemplo), ela pode ser considerada uma ciência ou uma protociência (porque ela é uma área científica em desenvolvimento) interdisciplinar (porque ela interage com o conhecimento de outras ciências já estabelecidas).

Na astrobiologia, podemos ver os seguintes exemplos:

Astronomia: suporte na busca e estudo de exoplanetas e exoluas.
Biologia: suporte na compreensão pela evolução da vida a partir da perspectiva cósmica.
Física: suporte na compreensão do sistema físico e influências gravitacionais em exoplanetas.
Geologia: suporte na compreensão do ambiente geológico extraterrestre.
Radioastronomia: suporte na busca pela vida extraterrestre inteligente.
Química: suporte na busca por uma teoria científica da origem da vida na Terra e, talvez, no Universo.

Na ufologia, não existe qualquer interação com outras áreas científicas do saber, ela também não tem objeto de estudo, uma vez que assumir a existência de OVNIs não é a mesma coisa que admitir a existência de vida extraterrestre inteligente. Em outras palavras, a ufologia é uma pseudociência, porque: 1) ela não tem objeto de estudo; 2) não age com rigor metodológico e; 3) não produz conhecimento passível de verificação empírica (ou seja, testável). A ufologia é totalmente baseada em relatos e documentos (registros) e anedotas (observações que não podem ser provadas ou testemunhos). Lembrando que relatos e documentos não são evidências científicas.

Aliás, existe uma inteiração da ufologia com outras áreas caracterizadas como pseudociências, mas não com ciências:

Parapsicologia: área que alega que o ser humano possui atividades além da psique. Suas alegações servem atualmente de apoio as reivindicações de que as pessoas abduzidas começaram a manifestar poderes psíquicos (refutada).
Pseudoarqueologia ou Ufoarqueologia: área que deturpa o autêntico conhecimento arqueológico ignorando evidências da atividade humana na construção de monumentos megalíticos (refutada)

Como sabiamente disse Carl Sagan no Capítulo 03, do livro “O Mundo Assombrado Pelos Demônios”:

“Cada área da ciência tem o seu próprio complemento de pseudociência. Os geofísicos têm de se haver com Terras chatas, Terras ocas, Terras com eixos loucamente oscilantes, continentes que emergem e afundam rapidamente, além de profetas de terremotos. Os botânicos têm plantas cuja ardente vida emocional pode ser monitorada com detectores de mentiras, os antropólogos têm homens-macacos sobreviventes, os zoólogos têm dinossauros remanescentes, e os biólogos evolutivos têm os literalistas bíblicos mordendo o seu flanco. Os arqueólogos têm astronautas antigos, runas forjadas e estatuária espúria. Os físicos têm máquinas de movimento perpétuo, uma multidão de refutadores amadores da teoria da relatividade, e talve a fusão fria. Os químicos ainda têm a alquimia.

Os psicólogos têm grande parte da psicanálise e quase toda a parapsicologia. Os economistas têm previsões econômicas de longo alcance. Até agora, os meteorologistas têm a previsão do tempo a longo prazo a partir das manchas solares, como no Farmer’s Almanac (embora a previsão do clima a longo prazo seja outra história). A astronomia tem, como sua pseudociência mais importante, a astrologia — a disciplina que lhe deu origem. As pseudociências às vezes se cruzam, combinando a confusão — como nas buscas telepáticas dos tesouros enterrados de Atlântida, ou em previsões econômicas astrológicas.”

Conclusão

A utilização de alguns métodos e técnicas de análises em imagens (não é a mesma coisa que utilizar metodologia científica) ainda é necessária para analisar alguns casos ufológicos. OVNIs podem ser pipas, satélites, balões meteorológicos, balões de ar quente, bexigas de gás, sacos plásticos, fenômenos naturais, planetas, estrelas, insetos e sujeiras na lente da câmera e até mesmo efeitos de reflexão da lente da câmera em relação ao flash e ao ambiente (lens flare, por exemplo), e podem até ser extraterrestres, mas ainda não temos uma evidência capaz de sustentar essa afirmação.

Existe também um problema em estabelecer uma análise crítica na ufologia, porque muitas pessoas desconhecem a própria natureza (fenômenos naturais). Por exemplo, não sabem o que é halo solar, nuvens lenticulares e sun dogs. E, convenhamos, a maioria das pessoas nem sempre gosta de ouvir respostas simples, dando preferência a ouvir algo que condiz com suas crenças (viés de confirmação).