Evidência de DNA mais antiga de sífilis descoberta em esqueletos de 2.000 anos no Brasil

por Lucas
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As regiões costeiras do Brasil, há milhares de anos, eram habitadas por pessoas que carregavam Treponema pallidum endemicum, intimamente relacionada à bactéria causadora da sífilis venérea. Essa conclusão surge de estudos recentes de DNA que descobriram a presença do micróbio em esqueletos humanos datados de 2.000 anos atrás. As descobertas, publicadas na Nature em 24 de janeiro, indicam que os infectados provavelmente sofriam de feridas na boca e dores nas canelas. Essa pesquisa não só contribui para o entendimento de doenças antigas, mas também amplia a história conhecida da família Treponema pallidum em mais de um milênio.

A origem da sífilis tem sido um assunto de debate, especialmente desde a epidemia europeia em 1495. Cristóvão Colombo e sua tripulação muitas vezes foram culpados por introduzir a infecção sexualmente transmissível na Europa. No entanto, pesquisas mais recentes sugerem que a sífilis já estava presente na Europa antes de sua viagem transatlântica. Este novo estudo adiciona complexidade à narrativa, fornecendo evidências genéticas de um parente da sífilis anterior à chegada de Colombo nas Américas.

Sítio Arqueológico de Jabuticabeira II (Crédito da imagem: Dr. José Filippini)

Sítio Arqueológico de Jabuticabeira II (Crédito da imagem: Dr. José Filippini)

A sífilis é uma das quatro doenças causadas por bactérias estreitamente relacionadas. As outras incluem bejel, pinta e bouba, nenhuma delas transmitida sexualmente e normalmente resultando em infecções crônicas na boca e na pele. Até essa descoberta recente, faltavam evidências genéticas dessas doenças anteriores às viagens de Colombo.

Verena Schünemann, uma paleogeneticista da Universidade de Zurique, e sua equipe conduziram essa pesquisa inovadora. Eles examinaram esqueletos de Jabuticabeira II, um sítio arqueológico próximo à Laguna do Camacho, na costa sul do Brasil. Mais de 200 indivíduos foram enterrados neste local entre 1200 a.C. e 400 d.C. Cada enterro apresentava um corpo encolhido acompanhado de oferendas, como ferramentas de pedra, peixes e ocre vermelho. Análises anteriores desses esqueletos identificaram numerosas lesões ósseas sugestivas de doença treponêmica.

A equipe examinou amostras ósseas de 99 esqueletos em busca de DNA patogênico, encontrando 37 positivos para DNA treponêmico. Quatro amostras, datadas entre 350 a.C. e 573 d.C., forneceram dados suficientes para a reconstrução do genoma. Notavelmente, esses genomas se assemelhavam muito aos do bejel moderno, também conhecido como sífilis endêmica.

Bejel se espalha pelo contato com lesões na pele ou na boca. É prevalente nas regiões áridas e quentes do Mediterrâneo oriental e da Ásia ocidental, contrastando com o ambiente úmido e costeiro do sítio brasileiro. Nos tempos antigos, sem antibióticos, os povos indígenas do Brasil teriam vivido com a condição sem tratamento eficaz. Schünemann observou: “Não há textos históricos descrevendo os sintomas que as pessoas tinham há 2.000 anos”, mas é provável que “a bactéria também causasse lesões na pele semelhantes [ao bejel moderno]”.

As práticas de sepultamento em Jabuticabeira II sugerem que aqueles com a doença não eram ostracizados. Indivíduos positivos para DNA treponêmico eram enterrados de maneira idêntica aos outros, indicando tratamento igual dentro da comunidade. Esse aspecto do estudo desafia algumas preconcepções sobre atitudes antigas em relação à doença.

Essa pesquisa data significativamente a presença de bejel na América do Sul, muito antes do contato europeu do século 15. Ela também redefine a provável data de origem da bactéria para entre 780 a.C. e 450 d.C., mais de mil anos antes do que se pensava anteriormente.

Brenda Baker, uma antropóloga da Universidade Estadual do Arizona, não envolvida no estudo, expressou sua empolgação com essas descobertas. Ela comentou que a recuperação de um genoma treponêmico tão antigo sugere a possibilidade de em breve poder “preencher enormes lacunas em nosso entendimento da evolução e distribuição deste patógeno na antiguidade, à medida que mais aDNA [DNA antigo] é recuperado de outros locais pelo mundo”.

No entanto, Schünemann esclareceu que essa nova data de origem para o bejel não esclarece diretamente as origens da sífilis venérea. Ela declarou: “Infelizmente, não temos dados suficientes para poder dizer qual [subespécie de T. pallidum] é a mais antiga. Seriam necessários mais genomas antigos de outras subespécies”. Isso indica que, embora o estudo avance significativamente nosso entendimento das doenças treponêmicas, também abre novos caminhos para pesquisa, particularmente no rastreamento da história evolutiva desses patógenos.

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